ENCICLOPÉDIA
DE PRÁTICAS POÉTICAS

INTRODUÇÃO À ENCICLOPÉDIA
E ÀS PRÁTICAS POÉTICAS

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Por que uma Enciclopédia de Práticas Poéticas?

 A Enciclopédia de Práticas Poéticas do RE_INTEGRARTE busca abrir possibilidades para pensar e praticar as relações entre arte e pedagogia. Tradicionalmente, uma enciclopédia propõe uma apresentação extensiva, panorâmica de um determinado universo, área de conhecimento ou tema; a palavra grega egkuklopaideía (egkúklios + paideía) tem o sentido de ‘ensino circular, panorâmico’. Neste caso, contudo, tomamos emprestado esse conceito/forma, não com a pretensão de esgotar os nossos temas, mas como meio de fazer circular formas experienciais do saber artístico. Propõe-se, portanto, esta Enciclopédia de Práticas Poéticas, a ampliar as possibilidades de acesso a práticas artísticas (de áreas diversas), servindo-se para isso de uma forma de organização clara e, ao mesmo tempo, múltipla, que busca recursos gráficos, textuais e hipertextuais, para traduzir um campo sensível e relacional.

Volume I

/ / / RE _ INTEGRARTE

O RE_INTEGRARTE I dedica-se à infância e realiza-se através do desenvolvimento de práticas poéticas, destinadas a crianças entre 8 e 10 anos, de escolas públicas e privadas. Teve como pressuposto os temas derivados, orientados nesse projeto e abordados pelos artistas convidados de diversas linguagens – dança, música, artes visuais e audiovisual-, tanto na elaboração das práticas poéticas, como na vivência dos ateliês-performances realizados para mais de 30 crianças na sede da cooperativa Penha Sco.
Este volume é disponibilizado virtualmente para o público em geral e os exemplares impressos foram distribuídos para 100 escolas públicas e privadas na região de Lisboa.

A Enciclopédia de Práticas Poéticas volume I, apresenta cinco práticas, cada uma delas estruturadas a partir de um tema específico, derivado do tema geral da “separação e inseparabilidade”.

1. RISCO

A prática poética que abre o conjunto apresentado nesta enciclopédia, foi desenvolvida pela artista visual Joana Gancho e, tem como mote o tema do RISCO. Se por um lado o risco aponta um temor de estarmos a correr perigo, especialmente por lidarmos com o incerto, com o oculto e não visível e, com possibilidades reais de fim de algo ou alguém. O ditado português “quem não arrisca, não petisca” poderá dizer que, por outro lado, sabemos que esta ousadia em estar aberto ao inusitado muitas vezes nos surpreende positivamente, brindando-nos com algo muito além das nossas expectativas. Como continuar a arriscar sem colocar a saúde ou a vida em risco? Possivelmente acreditando que existem outros modos de agenciar os nossos corpos, afetos e encontros, recriá-los, transformá-los. É através desta perspectiva que a artista Joana Gancho aborda o tema e desenvolve a sua poética, propondo uma nova forma de estar junto, apesar das distâncias, onde as sombras, as linhas, os traços, os riscos possam se tocar e criar relações entre as crianças: os contornos das sombras oferecem uma ponte para o encontro, para a convergência, transgredindo uma condição de separação a uma de tangenciamento e união com segurança. O RISCO, aqui é visto de outro ponto de vista, onde as condicionantes limitantes tornam-se condições para seguirmos juntos.

2. CUIDADO DE SI E CUIDADO DO OUTRO

A segunda prática poética, proposta pelo coreógrafo e performer Gustavo Ciríaco, aborda o CUIDADO DE SI e DO OUTRO. Se antes da pandemia este tema já ocupava um lugar fundamental para pensar e repensar as histórias da vida em comum, após este acontecimento, ele torna-se uma necessidade concreta que impõe novas regras ao quotidiano, alterando de forma abrupta e radical as possibilidades de estar junto, em comunidade. Explicita-se nesta nova conjuntura social, justamente, a separação e a inseparabilidade entre uns e outros. Ou seja, só é possível cuidar de si, se cuidamos do outro e, para cuidar do outro é necessário cuidar de si. Na proposta de Gustavo Ciríaco este exercício do cuidado dá-se pela experiência de uma dança no espaço comum. Ao criar um chão de danças, inspirado nos pisos de Versailles, esta prática estimula a partilha do espaço e das suas regras, exigindo que os passos estejam em sintonia e escuta. Assim, com a distância e apesar dela, os corpos conseguem conectar-se pelo cuidado do espaço comum que perpassa, une e separa a todos.

3. EXPANSÃO

A ação de expandir provoca-nos a nos encontrar com o inusitado, com o novo, com algo desconhecido, alargando e ampliando os horizontes, as fronteiras, os modos de pensar e criar. A EXPANSÃO tem sido, ao longo dos tempos, premissa orientadora do desenvolvimento civilizacional e cultural do ocidente. No entanto, esses processos justificam o abuso, a opressão e a desigualdade que são inerentes à colonização. Esse cenário torna-se ainda mais explícito no contexto atual e nos conduz, frente à contração imposta às relações, desejos, práticas e ações quotidianas, às questões: como dissociar a ideia de expansão à de progresso e buscar outras formas de alargamento de si, das relações e do convívio com os outros? Que formas de expansão, não coloniais, são possíveis? Que tipo de nutrição seria necessária em tempos de tamanha escassez experiencial? O músico e compositor João Godinho parte destas perguntas para criar a terceira prática poética, propondo uma abordagem onde o som, o “fazer música”, seja o meio para expandirmos pessoal e coletivamente. Sons estrambólicos, desconhecidos, e imaginários tornam-se possibilidades de diálogo/relação com aquilo que está distante, longe. A analogia da “bateria humana” como prática que convoca uma maestria de diversos sons produzidos por cada uma das crianças, revela uma interdependência que configura uma expansão sonora-corporal coletiva.

4. PARAGEM E TRANSIÇÃO

Através de uma experiência artesanal do cinema, a proposta da realizadora Cláudia Alves, nos faz perceber que parar e transitar são ingredientes fundamentais do movimento. Dito de outro modo, para que o movimento aconteça seria necessário transitar entre instantes, ou seja, a PARAGEM e a TRANSIÇÃO comporiam o movimento como uma sucessão de instantes presentes. Se, como provoca Donna Haraway, ficar com o problema é também ficar com o presente, um presente espesso, poder-se-ia dizer, que o fazer do cinema dá a ver também que um processo de fabulação ganha corpo ao colocar em relação momentos presentes, aparentemente separados, que transitam em outros, formando a percepção de um movimento inseparável. Deste modo, esta prática convida as crianças a colecionarem imagens, instantes precisos e preciosos que podem transitar entre si e colocar em marcha uma fabulação do presente.

5. CORPO E ESPAÇO

O músico e compositor Ricardo Sá Leão propôs um objeto-livro  para a quinta e última prática poética desta Enciclopédia. Partindo da relação corpo e espaço, propõe jogos de percussão corporal, de gestos e deslocamentos espaciais, orientados pelos sons produzidos pelas crianças e/ou oferecidos pelo facilitador.

Este tema CORPO e ESPAÇO é transversal aos temas anteriores e, foi sempre tangenciado de alguma forma nas práticas poéticas desta Enciclopédia. Na relação do corpo com o ambiente, com o espaço, está sempre implicado o paradoxo da comunhão e da separação, possivelmente relacionado a essa primordial ligação e posterior separação a uma unidade que, em tempos anteriores, era habitual. A construção da cidade é a manifestação desse paradoxo: o espaço público, esse espaço comum, oferece aos corpos, por um lado, certa mobilidade de ir e vir, uma autonomia de livre circulação e socialização e, por outro, limitações que legislam o seu modo de ser e estar, permanecer ou circular, privilegiando uns e prejudicando tantos outros. Em tempos pandémicos, frente às contingências sanitárias e limitações de circulação e ocupação do espaço público, nutrir a inseparabilidade é tema cada vez mais emergente.

Como inventar outros modos de relação, entre o corpo e o espaço e, entre corpos para encontrar outros modos de estarmos juntos? Como tomar o próprio corpo como espaço, e a dimensão dos seus gestos como meio de relação entre os corpos-espaços? Mesmo que o corpo-a-corpo se torne um meio menos recorrente, como poderemos nutrir a consciência da inseparabilidade entre eu-outro-mundo? Criar corpos livres em qualquer esfera que seja, poderá ser o de recriar, em práticas quotidianas ou extra quotidianas, outras formas de relações possíveis que cultivem o desejo a abertura de continuar a encontrar o outro e, os muitos outros que somos, a nossa multidão pessoal e coletiva.

Bom atravessamento!

Textos por Joana Levi e Julia Salem /// Videos e Fotografias por Francisca Veiga

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artes visuais

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DANÇA

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música

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audiovisual

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música/artes cénicas

Volume II

/ / / RE _ INTEGRARTE

O RE_INTEGRARTE II dedica-se às pessoas idosas que são utentes ou residem em estruturas de apoio e cuidados. O projeto realizou-se através do desenvolvimento de práticas poéticas propostas por artistas convidados de diversas linguagens (dança, teatro, artes visuais, performance), da criação de uma série de vídeo-performances e da publicação do segundo volume da Enciclopédia de Práticas Poéticas. O RE_INTEGRARTE II contou com a parceria da cooperativa de solidariedade social Via Hominis, que potencializou através da partilha de saberes e experiências, a interligação entre os artistas convidados e as pessoas idosas e a sua realidade.
Este volume é disponibilizado virtualmente para o público em geral e os exemplares impressos foram distribuídos para 60 estruturas de apoio e cuidados (ERPI’s e Centros de Dia) em diversas regiões de Portugal.

A Enciclopédia de Práticas Poéticas volume II, apresenta cinco práticas, cada uma delas estruturadas a partir de um tema específico, derivado do tema geral da “Separação-inseparabilidade & Memória”.

1. RISCO
A prática poética que abre o conjunto apresentado nesta enciclopédia foi desenvolvida pelo coreógrafo e performer Gustavo Ciríaco e tem como mote o tema do RISCO. Se, por um lado, o risco aponta um temor de estarmos a correr perigo – especialmente por lidarmos com o incerto, com o oculto, com o não visível e com possibilidades reais de fim de algo ou alguém -, o ditado português “quem não arrisca, não petisca” poderá dizer que, por outro lado, sabemos que esta ousadia em estar aberto ao inusitado muitas vezes nos surpreende positivamente, brindando-nos com algo muito além das nossas expectativas. Como continuar a arriscar sem colocar a saúde ou a vida em risco? Possivelmente acreditando que existem outros modos de agenciar os nossos corpos, afetos e encontros, de recriá-los, transformá-los. É através desta perspectiva que Gustavo Ciríaco aborda o tema e desenvolve a sua poética, propondo uma prática que coloca em jogo os riscos das paisagens pessoais onde as bordas, as linhas, as cores, se tocam e criam relações subjetivas traçadas pela memória de cada um. Dançar os riscos das paisagens, que com o tempo se instalam em nossas memórias, é o desafio que Gustavo nos convida a experienciar com esta prática.

2. CUIDADO DE SI E CUIDADO DO OUTRO
A segunda prática poética, proposta pela artista visual Paula Delecave, aborda o CUIDADO DE SI e DO OUTRO. Se, antes da pandemia este tema já ocupava um lugar fundamental para pensar e repensar as histórias da vida em comum, após este acontecimento ele torna-se uma necessidade concreta, que impõe novas regras ao quotidiano, alterando de forma abrupta e radical as possibilidades de estar junto, em comunidade. Explicita-se nesta nova conjuntura social, justamente, a separação e a inseparabilidade entre uns e outros. Ou seja, só é possível cuidar de si, se cuidamos do outro e, para cuidar do outro, é necessário cuidar de si. O cuidado guarda em si um modo de conexão entre nós e os outros. Como nos conectarmos com outros lugares e outras pessoas que estão e não estão perto de nós, sem tocá-las? Na proposta de Paula Delecave o tema do cuidado é abordado através do resgate de memórias que sensibilizam sensações físicas e emocionais para, posteriormente, corporificá-las em uma colagem feita de diversas imagens e materiais sensíveis. O “retrato” construído por cada participante, torna-se assim um mapa sensório-imagético de experiências revividas pela memória. A prática proposta pela artista é, em si, uma cuidadoria, na medida em que recria afetos passados, distanciados, seja pelo próprio processo de envelhecimento, seja pelas restrições impostas pela pandemia.

3. EXPANSÃO
A ação de expandir provoca-nos a nos encontrar com o inusitado, com o novo, com algo desconhecido, alargando e ampliando os horizontes, as fronteiras, os modos de pensar e criar. A EXPANSÃO tem sido, ao longo dos tempos, premissa orientadora do desenvolvimento civilizacional e cultural do ocidente. No entanto, esses processos justificam o abuso, a opressão e a desigualdade que são inerentes à colonização. Esse cenário torna-se ainda mais explícito no contexto atual e nos conduz, frente à contração imposta às relações, desejos, práticas e ações quotidianas, às questões: como dissociar a ideia de expansão à de progresso e buscar outras formas de alargamento de si, das relações e do convívio? Que formas de expansão, não coloniais, são possíveis? Que tipo de nutrição seria necessária, em tempos de tamanha escassez experiencial?
A prática poética da criadora e performer Andresa Soares propõe a expansão dos limites entre ficção e memória através de um jogo que busca subverter as fronteiras entre aquilo que podemos lembrar e aquilo que inventamos. Se assumirmos que a memória costura à lembrança de uma experiência vivida no passado, elementos sonhados, pensados ou inventados, ficamos mais livres para tecer narrativas que avançam indiscriminadamente no tempo e que podem jogar, inclusive, com memórias alheias, emprestadas. O jogo proposto por Andresa desafia os participantes a produzirem uma espécie de memória coletiva, composta por memórias pessoais, vinculadas a acontecimentos reais, memórias imaginadas e, também, por aquelas emprestadas de outras pessoas. O que se expande com esta prática é, portanto, a própria subjetividade através da possibilidade de sentir, inventar e rememorar coletivamente.

4. PARAGEM E TRANSIÇÃO

Este tema nos provoca a pensar que parar e transitar são ingredientes fundamentais do movimento. Um processo de fabulação, por exemplo, ganha corpo ao colocar em relação momentos presentes, aparentemente separados, que transitam em outros, formando a percepção de um movimento inseparável. Dito de outro modo, para que um movimento aconteça, seja de uma história, de uma dança ou de uma lembrança, seria necessário transitar entre instantes. A PARAGEM e a TRANSIÇÃO comporiam a passagem do tempo, como uma sucessão de instantes presentes. Se, como provoca Donna Haraway, ficar com o problema é também ficar com o presente, um presente espesso, poder-se-ia dizer que a prática proposta pelo artista visual e músico Daniel V. Melin convida os participantes a fazer uma paragem no presente e evocar uma relação ou afeto primordial que mereceria alguma reparação. A experiência proposta pelo artista parte do resgate de uma música significativa – ação que pretende colocar em movimento emoções e memórias de uma relação – e, posteriormente, oferecer uma dádiva à pessoa envolvida. Através de um gesto de paragem, esta prática propõe transicionar, reposicionar e curar afetos e relações.

5. CORPO e ESPAÇO
A artista da dança Yael Karavan propõe em sua prática uma percepção minuciosa dos espaços de dentro do corpo e, através do movimento, uma ampliação desses espaços até um transbordamento que projeta uma dança com o espaço ao redor. Em uma viagem sensorial e imaginativa, a artista leva os participantes a visitarem, através da sensação, espaços de matéria aquosa, sólida ou etérea. Ao abrir espaços dentro do corpo e da imaginação, a prática proposta por Yael proporciona aos participantes uma experiência concreta da inseparabilidade entre corpo e espaço.
CORPO e ESPAÇO é um tema transversal aos anteriores e foi sempre tangenciado, de alguma forma, nas práticas poéticas desta Enciclopédia. Na relação do corpo com o ambiente, com o espaço, está sempre implicado o paradoxo da comunhão e da separação, possivelmente relacionado a essa primordial ligação e posterior separação a uma unidade que, em tempos anteriores, era habitual. A construção da cidade é a manifestação desse paradoxo: o espaço público, esse espaço comum, por um lado oferece aos corpos certa mobilidade de ir e vir, uma autonomia de livre circulação e socialização. Por outro lado, traz limitações que legislam o seu modo de ser e estar, permanecer ou circular, privilegiando uns e prejudicando tantos outros. Em tempos pandémicos, frente às contingências sanitárias e limitações de circulação e ocupação do espaço público, nutrir a inseparabilidade é tema cada vez mais emergente. Como inventar outros modos de relação entre o corpo e o espaço e entre corpos para encontrar outros modos de estarmos juntos? Como tomar o próprio corpo como espaço e a dimensão dos seus gestos como meio de relação entre os corpos-espaços?

Textos por Joana Levi e Julia Salem /// Videos por Francisca Veiga /// Fotografias de Francisca Veiga, Eva Marques & Registo fotográfico dos Artistas e Designers.

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